Friday, March 09, 2012

Política de empresa em Propriedade Intelectual

Ex aluna minha, de uma centro de pesquisa de grande empresa nacional, me pergunta o que seria uma política de Propriedade Intelectual no agente econômico privado. Respondo.

Política de PI (que não é a mesma coisa  que política de inovação) se resume em (a) você garantir a oportunidade de poder proteger seus ativos intelectuais (b) escolher se vai (ou não) implementar a proteção de cada ativo;  (c) escolher qual a proteção mais eficiente para cada ativo; e (d) administrar tais ativos tática e estrategicamente

1. O primeiro passo é assim a criação de meios para evitar a fuga involuntária de ativos. Se se vai proteger, ou não, é escolha posterior. O que se cuida aqui é de ter escolha.

1.a  Política de pessoal. O ativo intelectual desenvolvido é resultado de ações individuais e organizacionais. Passa pela captura jurídica das contribuições pessoais de forma aceitável ao sistema dos direitos pessoais e trabalhistas. No sistema jurídico brasileiro, isso pressupõe uma configuração específica das relações trabalhistas e de prestação de serviços. Assim, o primeiro passo é construção de política dedicada de pessoal.

1.b Política de organização. A ação de construção de ativos intelectuais é muitas vezes dedicada. Necessita da configuração organizacional própria. Outras vezes é resultado de atividade  incidental de atuações voltadas a outros fins. Essas duas maneiras de criações de ativos têm de estar estrutural e funcionalmente previstas e serem conduzidas de forma eficiente.

1.c Política de contenção de ativos. O conjunto organizado de informações que constituem os ativos intelectuais é naturalmente sujeito à dispersão, daí à perda de economicidade. Assim, a garantia da opção de proteger tais ativos passa inexoravelmente pelas práticas de conter a dispersão de tais informações: (i) evitando seu acesso a quem não necessite absolutamente delas ter conhecimento (need to know) (ii) evidenciando a intenção de manter a reserva da informação, e assim a possibilidade da proteção jurídica do sigilo.

2. Toda proteção de ativos (mesmo a indicada em 1.c, acima) implica em custos, ainda que seja os de restrição de informações que poderiam aumentar a competitividade se fluíssem livremente pela organização. A política de PI implica numa contínua contabilidade de custos de ganhos e perdas na proteção. Ao contrário da retórica usual, PI não é necessariamente o ativo mais rentável numa organização. A contabilidade de tais ganhos e perdas deve ser tão eficaz como a de quaisquer outros ativos, ingressos ou despesas.

3, O sistema de PI oferece hoje muitas vezes alternativas para a proteção de um determinado ativo. A escolha de alterná-los ou cumulá-los é um passo subsequente ao anterior; prosseguir na proteção, com seus custos e dificuldades é objeto de política própria. Ainda agora, a área de orçamento de uma grande empresa de capital nacional  achou a anuidade de uma patente injustificada, e deixou-a caducar; isso causou uma exposição potencial da empresa a um contingente 600 mil vezes o da anuidade.

4. Os ativos protegidos pela PI são instrumentos de mercado, que possibilitam oportunidades concorrenciais. Taticamente, podem ser utilizados como suportes de uma atuação positiva, produzindo e circulando bens. Mas seu poder de exclusão pode ser utilizado também de forma derivativa, funcionando, por exemplo, como moeda de entrada em compactos de padronização de tecnologia, ou pagando ingresso em joint ventures. Ativos que não tenha espaço de utilização podem assegurar o acesso a áreas de atuação indispensáveis à estratégia da empresa.

EM essência é isso. Mas é preciso voltar ao início para enfatizar que política de inovação é outra coisa.
 

Friday, March 02, 2012

Ele nem olhou para meu vestido.....

Desde 1989, os Estados Unidos perfazem uma revisão anual do comportamento dos demais países em face dos interesses americanos relativos à Propriedade Intelectual: é o relatório da Seção 301. O encarregado desta revisão é o Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR); nos anos finais que passei como servidor da União, tive alguma experiência pessoal desse tipo de exercício, embora ainda não houvesse a tal Seção 301.

  Bom, a seção 301 cria uma lista de suspeitos preventivos. Vão ser olhados com atenção e desconfiança, e se escorregarem em seu comportamento, os Estados Unidos impõem sançoes, das quais a suspensão dos benefícios do sistema geral de preferências. Ou seja, um aumento nas tarifas de importação de produtos brasileiros nos Estados Unidos. Quando eu cuidava disso no INPI lá po 1987, as industrias de calçados e sucos de laranja pagaram pela inexistência de patentes farmacêuticas. Como no caso do lobo e do cordeiro: se não foi você que sujou a água do rio, então foi seu primo ou tio.

Assim, a cada ano, os grupos de pressão e empresas americanas interessadas em chamar atenção dos demais países reportam ao USTR os "desvios de comportamento" que entendem ocorrer, ainda que não haja nenhuma violação de compromissos internacionais ou do Direito Internacional. Como a aplicação da Seção 301 é parte do arsenal unilateral americano, não se considera do relatório anual só as infrações efetivas ou pontenciais dos tratados da OMC ou acordos bilaterais. Listam-se - além dessas infrações a normas - comportamentos que não são favoráveis. Não ilegais, mas desfavoráveis.

No sistema OMC (como antes no GATT) existe uma curiosa categoria de 'não infração', uma reação a comportamentos nacionais que, mesmo sem violar nenhuma norma, frustram expectativas dos países membros. Assim como: você não tinha nenhum dever de me convidar para jantar, mas dava para imaginar que o convite vinha pelo jeito que você sorriu para mim; então, vais me indenizar pelo sorriso. Essa estranha responsabilidade sem dever (haftung ohne schuld) está porém, consensualmente suspensa no campo da Propriedade Intelectual. Veja-se http://www.wto.org/english/tratop_e/trips_e/nonviolation_e.htm.

Pois unilateralmente, através da seção 301, a listagem de comportamentos censuráveis dos demais países é ainda mais criativa. Usando a mesma figura acima, o país entra na lista negra quando, mesmo se o rapaz nem sorriu, criando expectativas, a moça pôs um vestido bonito, e só por isso já acredita que devia ser convidada para o jantar. Suscita-se o mal comportamento na Seção 301 não pelo fato de o outro país induzir expectativas, e depois frustrá-las, mas só por não reagir às expectativas que as moças, ou melhor, as empresas e grupos de pressão americanas, tinham aos se porém bem arrumadas.

As sugestões da grupo de pressão da indústria farmacêutica americana (PHRMA) à seção 301 de 2012 são as e que o Brazil deva ser posto na berlinda pelos seguinte:
Padrões de patenteabilidade: o artigo 229-C, a alteração de 1999 à lei de patentes, de forma inadequada permite que a agência de saúde reguladora (ANVISA) para analisar todos os pedidos de patentes para produtos farmacêuticos e / ou processos e, assim duplicando a revisão já realizada pelo INPI.

Protecção regulamentar de dados: Embora o Brasil promulgou tenha leis para garantir a protecção adequada dos dados para os produtos veterinários e agrcultura, a legislação brasileira não prevê a adequada proteção de dados para produtos farmacêuticos.

Postura contraditória nas negociações multilaterais: o Brasil continua a opor-se acordos internacionais que garantam adequadas e eficazes proteções à propriedade intelectual.

Controle de Preços do Governo: O sistema atual é excessivamente complexa e carece de transparência. A indústria farmacêutica inovadora está pronto para ajudar o governo brasileiro no desenvolvimento de um mecanismo transparente e consistente, que premie os preços em ralaçao ao valor inovador dos medicamentos.

Parcerias Público-Privadas (PPPs) e Compras Governamentais: Não existe um quadro regulatório claro para o estabelecimento de PPP e no Brasil não tem regras claras sobre as preferências de compra oferecidos aos PPPs. Da mesma forma, ainda não está claro como o Brasil vai aplicar um programa de compra recentemente promulgada do governo que oferece produtos e serviços a nível nacional com as preferências.
Pedir sanções porque o Brasil continua defendendo seus interesses nas discussões internacionais é muito curioso. É mais ou menos como achar que o outro time deve sofrer penalty porque o goleiro defendeu um chute em gol.

Mas o ponto aqui é outro. Se o Brasil deve entrar na lista negra porque deixou de fazer coisas que a PHRMA acha que não são "adequadas" ("ele nem sorriu para mim") então isso dá vontade de também criar respostas à altura. As associadas da PHRMA, suas subsidiárias e licenciadas, se não gostam do sistema de compras de fármacos e medicamentos brasileiro, devem entrar também em listas de vigia. Para elas, a margem de proteção das compras deve ser maior: induzindo a riscos de aumento do sistema geral de preferências, elas atrapalham o desenvolvimento nacional.

 Ora, a lei agora cria margem de preferência em favor do desenvolvimento: a União paga mais para induzir produção local, ainda que marginalmente mais cara. Pois aí vai a sugestão: sanção unilateral merece resposta. Se acesso ao mercado americano continua sendo relevante para o Brasil (ou qualquer um), acesso ao mercado público brasileiro de medicamentos e fármacos provavelmente ainda interessa à industria farmacêutica americana.

Sugestões ao USTR saem muito barato para a PHRMA. Quem sabe criando uma lista de moças que insistem em imporem seu gosto de moda - para serem barradas do baile  - aumente a civilidade de parte a parte.