Tuesday, December 13, 2011

Três copiadas, o titular vai expulso da Internete

Por que direitos autorais são situações jurídicas privadas? Essencialmente por uma razão de eficiência. Imagina-se que haja determinados tipos de produção criativa melhor administrados por agentes privados, em vez de os shows serem diretamente subvencionados pelo estado, ou os livros comprados pelo Município, e distribuídos para os alunos de suas escolas. Numa consequência muito simples, se esses métodos de criação e distribuição de criações não estão funcionando adequadamente, o estado deve tomar alguma providência alternativa para fazer que a produção expressiva chegue àqueles que dela necessitem. Ora, se o direito é privado, o dever básico de seus titulares é maximizar a eficiência de sua produção e distribuição. E ao estado cabe incentivar essa eficiência. Quem entra na internet para fins econômicos e não consegue criar sistemas de proteção adequados obviamente não tem competitividade, e está tolhendo a economia. Assim, é de se propor: qualquer dono de direitos autorais que entra na Internet e não consegue se proteger, após três copiadas, deve ser expulso da rede. Mercado que não é eficiente não merece nepotismo estatal.

Wednesday, November 09, 2011

Evergreening ornamental

Segundo consta, o INPI está aceitando o registro de novos desenhos industriais - quando do mesmo titular - com modificações mínimas, irrelevantes entre um e outro. Evergreening tolerado por quem não entende o potencial anticoncorrencial de títulos sem originalidade relativa. Recentemente, tive ocasião de estudar a questão do duplo patenteamento, em http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/questao_duplo_patenteamento.pdf. Antes, no meu Tratado, disse: [ 12 ] § 1. 1. - Duplo patenteamento e unicidade de privilégio O sistema jurídico brasileiro não admite o duplo patenteamento, definido como (a) a existência de duas ou mais patentes com as mesmas reivindicações e as mesmas datas de prioridade; ou, ainda, (b) a emissão para o mesmo invento (em favor do mesmo autor ou titular) de outra patente sobre o mesmo objeto3. Quanto à primeira hipótese, tenta-se evitar o problema através do mecanismo segundo o qual se considera anterioridade ficta mesmo o conteúdo do depósito de patentes por terceiros ainda em sigilo, ou seja, que não entrou no estado da técnica. Quanto à segunda alternativa, segue-se a regra de que uma vez que uma patente (ou outro documento) já descreva uma determinada solução técnica, nenhuma patente subsequente protegerá a mesma solução técnica, mas apenas outros problemas técnicos diversos, ou outras maneiras (novas e dotadas de atividade inventiva) de se resolver o mesmo problema técnico. A razão de política pública que impede o duplo patenteamento da mesma matéria, nas condições acima indicadas, é que não cabe extensão do prazo de proteção para o mesmo invento, pelo artifício de se conceder mais de uma exclusiva sob o mesmo e idêntico fundamento de fato 4. O duplo patenteamento, que não encontra guarida na lei brasileira, seria rejeitado pela aplicação direta do art. 5º, XXIX da Constituição, naquilo que faz conforma a norma ordinária de patentes ao interesse público e ao desenvolvimento. Mas o sistema de proteção de desenhos industriais não anda considerando esses elementos de racionalidade interna - de caráter econômico e jurídico. Normativamente e institucionalmente, falta política pública nesse ramo da Propriedade Intelectual.

Thursday, November 03, 2011

Canutilho e outros artigos de armarinho

Conforme os dicionários, canotilho ou canutilho é canudinho de vidro colorido usado como enfeite em fantasias. Nem todos somos votados pelo sobrenome a qualquer destino histórico, mas a entrevista do eminente professor de Coimbra José Joaquim Gomes Canotilho semana passada ao Consultor Jurídico, falando de patentes de remédios, provocou reações adversas junto a academia e ao público brasileiro. Clientes chegaram a me pedir medidas judiciais contra o que foi sentido como uma crítica irresponsável da política de saúde pública brasileira por um sempre notável jurista, mas cidadão estrangeiro. Minha resposta, porém, foi que - segundo minha experiência de alguns anos como jornalista e assessor de imprensa - a entrevista seguiria a vocação onomástica de seu autor, ao lado das miçangas e paetês da história da Propriedade Intelectual. Esta não é reposta devida ao que disse o Prof. Canotilho: a crítica de suas posições, com a elevação e sobriedade que merecem foi feita pela análise de Karin Grau-Kuntz no mesmo periódico em que foi publicada a entrevista do constitucionalista europeu, em http://www.conjur.com.br/2011-nov-03/algumas-palavras-medicamentos-genericos-professor-canotilho. Esta nota serve apenas para endossar a posição da Karin como sendo também a minha. Só em substância. A elegância e ponderação da autora certamente não seriam o meu estilo de preferência, se decidisse rebater as coisas que se leram no Consultor Jurídico da semana passada. A minha observação, porém, é que os adereços e enfeites da fantasia do Prof. Canotilho se comunicam ao restante da doutrina de Propriedade atribuída ao mesmo autor. Na preciosa e intraduzível expressão americana, é um peculiar exemplo de glitteratura: a escrita dos socialites e das celebridades.

Monday, September 26, 2011

Justifying Intellectual Property

Recebi o livro novo do Robert Melgues hoje. Achei ótimo o primeiro parágrafo: INTELLECTUAL PROPERTY (IP) law today is like one of those sprawling, chaotic megacities of the developing world—Mexico City, maybe, or Shanghai. Construction cranes are everywhere. The old city center—the ancient core of the field—is today surrounded by new buildings, new neighborhoods, knots of urban growth, budding in every direction, far off into the distance. As a longtime resident, an old-timer who for a good number of years now has walked the streets and taken in the scenes, I find myself with decidedly mixed feelings about all this. I marvel at the bold, new energy unleashed in the old burgh, and I am not a little pleased at the prosperity it has brought. But I also feel a distinct sense of unease. The helter-skelter of new growth, proliferating at times with no regard for the classic lines and feel of the old city, brings a slight case of vertigo—a feeling of being lost amid the familiar. It's an exciting time, to be sure; but a confusing time too. Empatia total.

Tuesday, August 02, 2011

A desordenada música

Sou dos primeiros inscritos na Ordem dos Músicos (que o STF acabou ontem, e Rodrigo Moraes classifica de "pomposa inutilidade"), lá por 1963. Ela foi criada para dar dignidade à profissão. A memória do Lima Barreto de "Policarpo Quaresma" era muito forte na cultura brasileira:

Mas não foi preciso pôr na carta; a vizinhança concluiu logo que o major
aprendia a tocar violão. Mas que coisa? Um homem tão sério metido nessas
malandragens!
Uma tarde de sol — sol de março, forte e implacável — aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se
rápida e repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do gene- ral vieram
moças à janela! Que era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major
Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro, subia a rua,
tendo debaixo do braço um violão impudico.
É verdade que a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o
vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso
fato, a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos
arredores de sua casa, diminuíram um pouco. Estava perdido, maluco, diziam.
Ele, porém, continuou serenamente nos seus estudos, mesmo porque não
percebeu essa diminuição.

Wednesday, July 27, 2011

Um maori no meu certificado de registro

Num interessante artigo (Frankel, Susy R., Third-Party Trade Marks as a Violation of Indigenous Cultural Property: A New Statutory Safeguard (2005). Journal of World Intellectual Property, p. 83, 2005. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=1862685) publicado hoje no ssrn, um autor neo-zelandês narra a proteção que a cultura aborígene no seu país recebe no registro de marcas. Não sera res nullius a iconografia e idioletos típicos das culturas locais.
Mutatis mutandi, ninguém poderia usar uma palavra ou expressão visual de uma tribo brasileira, ou de populações ribeirinhas daqui. Posso até - para quem se interessar - dar um parecer dizendo que isso é direito vigente neste País.
Para que? Para criar mais um pouco de caos no tocante aos conflitos existentes entre os interesses da diversidade e os da propriedade intelectual. O caos já existente é pouco, e precisamos complicar!

Monday, July 18, 2011

Heroi da Pátria

A Lei Ordinária nº 12.446, de 15 de julho de 2011 "Inscreve o nome de Júlio Cezar Ribeiro de Souza no Livro dos Heróis da Pátria". Fora o triste aspecto de se alugar o Congresso Nacional - pago com dinheiro do contribuinte -, para "manifestações de apreço ao senhor diretor" (como dizia Drummond), a lei suscita um importante aspecto da história da inovação no Brasil.

O homenageado inventou um balão, sendo mais um dos inovadores da aeronáutica que nasceram no Brasil. Diz a wikipedia que "Patenteou seu invento nos seguintes países: França, Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Rússia, Portugal, Bélgica, Áustria e Brasil." Logo em seguida, num non sequitur nada surpreendente:

Sem contribuições à ciência e à tecnologia

Júlio César Ribeiro de Sousa não influenciou praticamente nenhum dos pioneiros da aeronáutica que se seguiram a ele, à execeção de Augusto Severo de Albuquerque Maranhão, que passou a se interessar pelo mais leve que o ar depois de tomar conhecimento das promissoras experiências do paraense com aeromodelos. O primeiro dirigível do mundo é a aeronave N-6, do mineiro Alberto Santos Dumont, campeã do Prêmio Deutsch, em 1901, que nada aproveitava das idéias de Ribeiro de Sousa. O fato de Santos Dumont ter confeccionado boa parte de seus balões nas oficinas de Henri Lachambre, o mesmo que construiu os balões de Ribeiro de Sousa, não basta para dizer que o mineiro se aproveitou das idéias do paraense. Tanto porque, os dirigíveis assimétricos de Santos Dumont, de números 9 e 10, possuíam lemes verticais e motores a gasolina, diferentemente dos balões preconizados por Júlio Cézar Ribeiro de Sousa, que seriam, pela falta desses elementos, absolutamente ineficazes.


Nada a reparar: a História da inventiva Brasileira é povoada, majoritariamente, por anti-heróis.

Monday, May 16, 2011

Casa de ferreiro

Faz umas semanas, manifestei aqui minha surpresa quando ao recrudescimento de plágio em trabalhos acadêmicos, em níveis tão absurdos que pareciam de inspiração sobrenatural. Pois agora tenho de falar de plágios na nossa casa. Faz alguns anos que vez por outra alunos de especialização de propriedade intelectual aparecem com enormes e escandalosas apropriações de trabalho de terceiros, copiados a mais das vezes da Internet. Nos primeiros anos, tratei a coisa como coisa pouca, negligência, criancices. Tive mais de uma vez de negociar com os autores agravados um perdão aos infratores, em atenção à profissão dos colegas e com a certeza de que a lição seria definitiva. Mas a coisa agravou. Mais recentemente, as universidades têm construído sistemas de detecção, e no ano passado, já se recusaram várias concessões de grau por causa dessa coisa inclassificável. Não obstante os precedentes serem divulgados, a coisa se agrava, e agora se instauram procedimentos administrativos disciplinares iniciados e impelidos pela instituição, como regra, com a remessa ao Ministério Público para apreciação do eventual crime de ação pública como uma probabilidade. Todos os casos são de colegas de nossa especialidade.

Há uma necessária relação de boa fé entre os docentes e seus colegas discentes; tinha me recusado a tratar os trabalhos a mim remetidos sob a presunção da má fé, mesmo estando aparelhado com programas para fazê-lo. Mas a continuação desses fatos me oprime a instruir minha secretária a usar o software antiplágio antes de me passar à correção. Na verdade, tais atos constituem, no fim de contas, uma ofensa pessoal àqueles que tem o dever de docente.

Friday, March 04, 2011

A Ministra e o conservadorismo suicida

A questão da "Classe artística" neste contexto da Ministra (o Sader, que é do ramo, diz ser autista, o que aliás é discriminatório e ofensivo mesmo sendo um excelente jogo de palavras) me lembra muito o que se disse no 18 de Brumário de Luis Bonaparte:

Os pequenos camponeses constituem uma imensa massa, cujos membros vivem em condições semelhantes mas sem estabelecerem relações multiformes entre si. Seu modo de produção os isola uns dos outros, em vez de criar entre eles um intercâmbio mútuo... Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam umas das outras e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, este milhões constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa medida não constituem uma classe

O povo da classe artística "em si" sente que mudanças lhes são adversas. Daí, resiste. Inteiramente compreensível. Mas não razoável. O Francis Gaury, diretor da OMPI, e necessariamente mais conservador do que a classe artística, acabou de dizer que sem mudar o direito autoral, “We risk losing our audience and public support if we cannot make understanding of the system more accessible.” http://www.wipo.int/pressroom/en/articles/2011/article_0005.html. Conservadorismo reflexivo de uma classe "para si". É preciso mudar para ficarmos na mesma.

Acho que já repeti bastante que não era nem sou completamente a favor da proposta anterior do Minc. Mas ela merecia discussão e impacto dos lobbies e dos interesses sociais no campo democrático do Congresso. Os episódios circenses da ministra relembram que "inteligentzia" não se traduz em "inteligência".

Tuesday, March 01, 2011

Desencosto

Lendo nos jornais de hoje que o barão Karl-Theodor Maria Nikolaus Johann Jacob Philipp Franz Joseph Sylvester von und zu Guttenberg foi demitido do cargo de Ministro da Defesa da Alemanha por haver plagiado sua tese de doutorado, me vi mais uma vez ante o que para mim é um enigma. Por que as pessoas plagiam?

Esta semana ainda se lê nos jornais brasileiros o caso do professor da USP, pego de ricochete pela cópia que fez uma orientanda sua, sem dar fontes, de material da UFRJ; outros casos existem em curso, envolvendo até mesmo grandes nomes de universidades de primeiro nível. Minha primeira experiência, quando cheguei ao INPI em 1979, foi de uma aluna de pós da FGV/Rio, que apresentou como sua monografia um manual da autarquia, e teve o azar de ser premiada pela excelência e publicada: o velho Afonso Arinos, diretor do curso, passou pelo que deve ter sido uma das mais incômodas tarefas de sua carreira ao vir pedir desculpas do Presidente do INPI. Como se fosse sua a responsabilidade. Em cada um desses casos (e em muitos outros, que o estatuto me impede de descrever) houve perda de cargo, perda de título, demissão de emprego, quando não tudo junto.

Bom, esses são fatos. Mas qual a explicação? Segundo uma linha analítica da Law & Economics, compreende-se a violação de um direito quando seu cumprimento seja menos ineficiente que sua satisfação, respeitados os interesses das partes afetadas (Robert Cooter and Thomas Ulen, in Law and Economics, 289-92, 1988, Scott, Foresman and Company) e que - na dúvida - é melhor soltar um culpado do que prender um inocente Posner, Richard A., Economic analysis of law, New York: Aspen Publishers,2007, pg 648) "... the asymmetric effect of the cost of imprisonment on convictions and acquittals means that it probably takes several erroneous acquittals to impose a social cost equal to that of an erroneous conviction." Ou seja, o ilícito e a sua sanção social passam por uma questão básica de eficiência.

Incluindo nessa equação o risco de ser pego, compreende-se que em 1979 o plágio fizesse mais sentido (além de que há sweat of the brow em ter que redatilografar tudo...). Mas hoje, a facilidade da cópia deve ser equivalente à facilidade do desmascaramento. Não é racional plagiar, do ponto de vista um barão alemão ou dos professores titulares que plagiam de seus orientados.

Resta o irracional. Perante um caso recente, e apavorante, envolvendo pessoas eminentes, disse a um colega do escritório, lembrando as aulas de medicina legal da UEG: ou é câncer na cabeça, ou sífilis ou PGP. Um colega que passa pela psicologia, literatura e direito dá outra explicação: isso ocorre muito no caso da perda de faculdades em quem foi brilhante e começa a empanar. Um drama vivencial e não doença de livro de medicina legal.

Mas aos poucos, ante casos tão inverossímeis e tão irracionais, começo a acreditar que a coisa não é problema para advogado de propriedade intelectual: tentem um pai de santo a todo tempo, alho como prevenção e uma bala de prata como repressão.

Monday, February 07, 2011

“O Estado tem o poder de fazer o bem pelo uso das compras públicas

http://www.protec.org.br

07 de Fevereiro de 2011

Denis Borges Barbosa, advogado especializado em propriedade industrial e inovação
Grande defensor do uso do poder de compra do Estado como incentivo ao desenvolvimento tecnológico, o advogado Denis Borges Barbosa alerta para as vantagens e os perigos da lei 12.349, sancionada ano passado a partir da conversão da Medida Provisória 495. Ela estabelece que licitações públicas poderão ter margens de preferência para produtos e serviços produzidos no Brasil com desenvolvimento de tecnologia. Se de um lado rondam as ameaças de questionamentos na Organização Mundial do Comércio (OMC) e de mau uso pelos gestores públicos, por outro a nova lei representa a oportunidade de o País superar o fantasma da corrupção e da ineficiência. Esta é a aposta do especialista em propriedade industrial e inovação, com mais de 40 anos de experiência.

Barbosa, que também é consultor do Ministério da Saúde para compras e professor da Academia de Propriedade Intelectual e Inovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), considera que a própria lei demonstra um "ato de coragem", trazendo uma reinterpretação revolucionária da Constituição. Parte de suas considerações sobre o mecanismo de compras públicas estão no livro "Direito de inovação", que chega a sua segunda edição em fevereiro, pela editora Lumen Juris. A seguir, Denis avalia os caminhos tortuosos - e possivelmente frondosos - que o País precisará percorrer para colocar em prática a lei 12.349. A entrevista fará parte de reportagem sobre compras públicas da próxima edição da Pró-Inovação Tecnológica em Revista.

O senhor diz que a lei 12.349/2010 faz uma reinterpretação revolucionária da Constituição. O que isso significa?

Denis Borges Barbosa: O Brasil é um dos raríssimos países do mundo, se não o único, em que o sistema de licitação está na Constituição. Portanto, não pode ser mudado por lei ordinária. Isso sempre tolheu a possibilidade de se usar o sistema de aquisições públicas como incentivo à inovação, uma vez que o artigo 37, inciso XXI, diz que todos os licitantes devem ser tratados de forma igual, isonômica. Se você não pode distinguir entre os que desenvolvem tecnologia e os que não desenvolvem, não há condições de incentivar o processo de inovar por meio de licitação.

Porém, o artigo 218 da Constituição diz que o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas. Já o artigo 3, inciso II, aponta que o desenvolvimento é uma das razões de existir do Estado brasileiro. Analisados conjuntamente, os dois dispositivos permitem interpretar o inciso XXI de forma a favorecer o incentivo ao desenvolvimento tecnológico nacional. Logo, pode-se considerar razoável que exista a preferência estabelecida pela Lei 12.349/2010 para empresas nacionais desenvolvedoras de tecnologia que apresentem a preços até 25% superiores nas licitações públicas.

Isso é a interpretação da Constituição a partir de si mesma, sendo considerada um sistema e não um conjunto de normas. Não se pode pegar um dispositivo isolado e interpretá-lo sem ver o restante da Constituição.

Alguns especialistas alertam que o Brasil poderá ser questionado na Organização Mundial do Comércio (OMC) pelo estabelecimento das preferências. Quais podem ser as consequências para o País?

Barbosa: O tratado da OMC para compras públicas restringe com muita clareza o uso do sistema para estimular o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, existe o código de subsídios da OMC, mais genérico, que impede o uso de outros mecanismos de incentivo. É princípio da não discriminação. Porém, o tratado de compras públicas é só para quem aderir. E Brasil nunca foi signatário.

Há, portanto, um potencial problema com o código de subsídios. Se o Brasil for questionado, será criada uma situação de exposição em relação ao comércio exterior. Seria um processo a ser julgado. Mas acho que, pelos benefícios da medida, vale a pena pagar o preço.

O senhor considera o estabelecimento de preferência nas compras públicas um tabu?

Barbosa: Todo o costume em matéria de licitações é mais defensivo para nós. Para impedir corrupções, a regra da isonomia sempre foi interpretada de forma estrita, rigorosa, paranóica. Sempre com medo do favorecimento. Isso acontece em todos os países, mas no Brasil isso impediu até hoje que se reconhecesse que a capacidade de compra do Estado é o melhor instrumento possível de incentivo à inovação. Ficamos acorrentados a um estágio de não desenvolvimento que boa parte dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já superou.

A revolução é enfrentar o fato de que o Estado compra e tem poder de fazer o bem. Deixamos de fazer o bem com medo de que agentes do Estado e políticos venham a fazer o mal. Aprovar a lei 12.349 foi a maior demonstração de coragem do governo Lula.

A lei vale somente para órgãos federais ou também para estados e municípios?

Barbosa: Embora as normas de licitação sejam nacionais, nem todas são aplicáveis aos entes federativos. E essa lei tem certos institutos que não são. Por exemplo, o quanto será dado de margem de preferência precisará ser definido pelo Poder Executivo federal. Porém, isso feito, outros entes da federação que se adequarem às regras poderão também se valer desse tipo de compra. As restrições são mecanismos de segurança pelo controle central para evitar fraudes ao sistema.

A lei desconsidera as margens de preferência "quando não houver produção suficiente de bens manufaturados ou capacidade de prestação dos serviços no País". Ou seja, se a ideia é estimular a inovação, o Estado precisará informar com antecedência as indústrias sobre as concorrências e oferecer suporte à pesquisa e ao desenvolvimento. O senhor concorda?

Barbosa: Se partirmos do princípio de que não temos um governo, a lei não pode existir. Ela deve ser aplicada por um governo competente. Temos que acabar com a ideia de "governo" e "nós". Nós somos o governo. Tudo depende da vontade do País. Por isso, a lei é extremamente ousada e precisa ser estudada com muita prudência e transparência. Mas já estamos tendo uma experiência positiva com as Parcerias Público-Privadas da saúde, que estão acontecendo.

Mas o governo não poderá exigir pronta-entrega nos casos em que o desenvolvimento será necessário.

Barbosa: Acredito que o governo possa permitir que a empresa importe nos primeiros anos e vá aumentando o índice de nacionalização até um limite em que não seja mais permitida a importação.

A lei ainda precisa ser regulamentada? Quais são os desafios que teremos pela frente para sua aplicação?

Barbosa: Não é preciso exatamente que se baixe um regulamento. É possível agir caso a caso, fixando o que se quer que seja objeto de desenvolvimento e inovação. Se não tivermos governo com cabeça voltada para o País, a lei vai desmoralizar a política industrial. O governo tem que tomar a decisão, definindo áreas e margens. É preciso muita coragem para aplicar essa lei. Precisamos superar o velho paradigma de que o Estado só existe para o rei. A ousadia que está por trás da lei é que o Estado é para nós e não para os políticos. Esta é nossa grande questão histórica.

O senhor considera o poder de compra do Estado a melhor forma de incentivar a inovação?

Barbosa: Acredito mais nas compras públicas do que em patentes, subvenção e incentivos fiscais. Os custos de transação das compras públicas são menores, pois o governo não vai mandar um fiscal para ver se o benefício está funcionando. Além disso, um contrato de até 10 anos, em bilhões de reais, justifica qualquer investimento em inovação. Qual é o subsídio que oferece essa capacidade?


(Fonte: Natália Calandrini para Notícias Protec - 07/02/2011)

Thursday, February 03, 2011

A cultura e o barril de porco

Diz o Oxford Concise que "pork barrel" é o uso de dinheiro do governo para projetos destinados a ganhar votos. O dicionary.com consigna que "pork" são verbas, nomeações, etc., feitos pelo governo por razões políticas e não para o interesse público. O WordWeb diz que "pork" é uma verba no orçamento destinada a fazer os legisladores queridos por seus eleitores.

É nesse sentido que o The Economist de 29 de dezembro notava:

Political sleaze often resembles a form of queue-jumping, whether it involves pork, special favours for loyalists, jobs for cronies, or the maintenance of a grandee’s lifestyle at the public’s expense.

Pois é, a parte mais sórdida da política muitas vezes importa em tomar decisões que favorecem quem te pôs no cargo, mesmo que deixando de lado o interesse do público em geral. A nossa Ministra da Cultura, que - apesar de reclamar da sombra que o irmão lhe causa -, vive do negócio de família, se colocou já de início contra o anteprojeto de reforma da lei autoral. Acabando o Ministério, ela vai voltar para seu caldo de cultura, e farinha pouca meu pirão primeiro.

Pessoalmente, não sou um torcedor do anteprojeto, como não o sou do flamengo ou do coríntians. Mas admiro a imensa discussão política que foi feita nos últimos anos em torno dele. Um ministro menos afeito à carne suína estudaria o anteprojeto, as manifestações, o interesse de todos, procurando distinguir o que é o interesse público daquilo que é interesse do seu público. Só depois, caberia definir-se, pelo caminho transcendente do interesse dos brasileiros como um todo, pois é pago para isso.

Gilberto Gil, sendo baiano, poderia até ter mais raízes nas tradições da política nordestina, que provavelmente será a mais tradicional , entre nós, no gênero porcino. Mas a Ministra é de São Paulo (ou do do Ecad, como dizem os jornais, como se o Ecad fosse um município). E isso é ainda mais curioso. Se fosse de Santa Catarina, podia-se suspeitar das cabalas da Sadia no governo da nova presidente: seguramente nossa maior indústria suína apoia a Ministra.