Wednesday, November 18, 2009

Mais idéia e forma

allegory
SECOND EDITION 1989

1. Description of a subject under the guise of some other subject of aptly suggestive resemblance.

encontrei a palavra hoje no Oxford English Dictionary (Word of the day). No Shorter OED, ao qual tenho acesso sempre, se lê:

allegory ˈalɪg(ə)ri ♫ noun. lME.
1 Narrative description of a subject under the guise of another having points of correspondence with it; symbolic representation. lME.
2 An instance of such description; an extended or continued metaphor. m16.
3 An emblem; a picture in which meaning is symbolically represented. m17.
ORIGIN: Old French & mod. French allégorie from Latin allegoria from Greek allēgoria, from allos other + -agoria speaking.

"Alegoria", mesmo, é palavra que escrevi apenas uma vez na minha vida: "Ele passara os anos discretamente e, ainda assim, era apenas uma alegoria do menino que conhecera". Já "alegórico" aparece em meus textos sempre como algo depreciativo. Exemplo, escrevendo do Simmel, o autor de best sellers alemão, falei nos anos 70' no Jornal do Brasil:
Um problema, porém, a que Aristóteles não se referiu, foi o da perspectiva do Autor em relação ao seu personagem. Um dramaturgo, com sensibilidade e domínio técnico abaixo do nível exigido para desenhar um Rei, ou um Herói, vai criar, na melhor das hipóteses, um fantoche alegórico, quase sempre, um estafermo de farsa. E farsa involuntária. Um exemplo próximo é o da ópera de Mozart que Ingmar Bergmann filmou: ama-se a Rainha da Noite, que é a vilã; desconfia-se da moral de Sarastro, o personagem ético; ri-se de Tamina e Pamino, dois heroizinhos passivos e obedientes; e compreende se perfeitamente Papageno, um ser humano ao nível do libretista.
Num parecer, assim disse:

Nugget é expressão de origem irlandesa e australiana, cuja primeiro registro léxico (não de marca...), de 1825, teve a acepção de “pessoa baixa e barriguda”. A terceira acepção citada – australiana e de 1851 – vem a ser “pepita” de ouro ou outro metal. A partir de 1853 a expressão passa a exprimir “um pedaço pequeno de qualquer matéria”, por exemplo, um cubinho de açúcar. Nesta acepção (que é a 4ª dicionarizada), claramente de cunho alegórico, emerge um primeiro registro léxico compatível com o uso marcário em questão.
Karin Grau Kuntz, na sua história do DA, usou a palavra num sentido diverso:

Fazendo da complexa teoria da interpretação do sensus spiritualis das palavras – que de acordo com João Cassiano deveria ser procurado através da interpretação alegórica, da interpretação tropológica (moral) e da interpretação anagócica (sentido escatológico) – a teoria oficial de interpretação da Bíblia, negou-se ao leigo que porventura viesse a aprender a ler e escrever a aptidão de poder compreender as escrituras, a fonte moral e cultural da sociedade medieval altamente espiritualizada.
A wikipedia fala dessa interpretação como sendo "mais do que literal". Tenho um texto que explica:

"a Hebrew University doctoral thesis, devoted to the kabbalistic thought of R. Abraham Abulafia, who used the technique of combining letters as an exegetical method enabling the mystic to penetrate the most recondite strata of Scripture. The author seeks to explain the underlying conception of the nature of language, as one "basically inclined to an allegorical perception", in the tradition of medieval Aristotelianism. Texts and experiences are decoded as revealing various aspects of the relationship between the inner powers of intellect and imagination".
Mas o sentido que me guardou mais na memória, desde menino, é o que Victor Hugo fala no Notre Dame de Paris, retratando uma das peças de teatro dos anos 1300, que se chamavam mistérios:
Le premier des personnages portait en main droite une épée, le second deux clefs d'or, le troisième une balance, le quatrième une bêche ; et pour aider les intelligences paresseuses qui n'auraient pas vu clair à travers la transparence de ces attributs, on pouvait lire en grosses lettres noires brodées : au bas de la robe de brocart, JE M'APPELLE NOBLESSE; au bas de la robe de soie, JE M'APPELLE CLERGÉ ; au bas de la robe de laine, JE M'APPELLE MARCHANDISE ; au bas de la robe de toile, JE M'APPELLE LABOUR. Le sexe des deux allégories mâles était clairement indiqué à tout spectateur judicieux par leurs robes moins longues et par la cramignole qu'elles portaient en tête, tandis que les deux allégories femelles, moins court-vêtues, étaient coiffées d'un chaperon.
Não eram personagem, vivos e metafóricos, mas representações de abstrações, presentificadas à vista do espectador. Realmente Victor Hugo tem razão: os mistérios, sendo tanto "morais" quanto didáticos, não se davam ao trabalho de encenar pessoas, de cuja ação se depreenderia o extrato moral, mas falavam diretamente das categorias "morais". Cruamente. Nisto, não há aquilo que entendo ser a essência da criação estética: a ræpresentatio mundi (talvez no sentido das monadas de Leibnitz: um pars pro toto, que é metonímia, enfim, qualquer tropo, que não seja alegoria), mas uma re-apresentação de abstrações. A alegoria é o contrário da arte.

Por que? Pela divisibilidade do presentificado: vc sabe que o ator no qual se prega o cartaz JE M'APPELLE LABOUR é um estafermo. Ele NÃO é o Trabalho, mas só um SUBSTITUTO do Trabalho. Trabalho é abstrato. Mas, na criação de arte, o ator é (1) o ator (2) o personagem (3) o mundo-da-obra e, só através desse mundo (que é um modelo reduzido do outro Mundo) que se chega ao Trabalho. 

Entre a abstração e a presentificação, na arte, há uma estrutura auto-referenciada (ela aponta para si mesma ANTES de apontar para o mundo externo - SE apontar para qualquer mundo externo, vide Klee). Não há a sepração possível entre a idéia e a forma, pois a idéia está na forma.
Por isso Eldred v. Ashcroft é idiota ao dizer que o direito autoral não afeta a liberdade de expressão, já que o direito autoral não protege idéias. No âmbito protegido pelo direito autoral, que é a produção  expressiva ou - mais precisamente - a estética, não dá para separar, e isso faz, sim, que - NESSE CAMPO - o direito autoral restrinja idéias.

Saturday, November 14, 2009

Forma & Conteúdo

Muitas vezes se fala num ponto que tenho enfatizado muito: o da fusão necessária entre forma e conteúdo na obra artística, literária, etc. Quando um bando de amicus curiae alegou, no caso do Eldred v. Ashcroft, que havia tensão entre o direito de expressão e o direito autoral, a Suprema Corte (numa das maiores bobices que ela disse sobre PI na história) se saiu com o argumento que tal conflito não existe pois o copyright não exclusiva a idéia, mas só a forma. Se você julga a possibilidade de se dar exclusiva para um método de contabilidade é muito fácil segregar o que é uma coisa e o que é outra (assim também numa notícia sobre o Afganistão); mas como dizer que uma idéia de Monteiro Lobato pode ser segregada da maneira que o autor a expressa? Vide o nosso BARBOSA, Denis Borges . Domínio Público e Patrimônio Cultural. In: Luiz Gonzaga Silva Adolfo e Marcos Wachowicz. (Org.). Direito da Propriedade Intelectual - Estudos em Homenagem ao Pe. Bruno Jorge Hammes. Curitiba: Juruá, 2005, v. , p. 117-165, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/bruno.pdf.

Bom, alguém me dirá, Raymundo Faoro fez isso, no A pirâmide e o trapézio (e até eu o fiz em A Luneta Cética - As Noções de Justiça na Ficção Brasileira do Século XIX, em http://denisbarbosa.addr.com/luneta.doc), aliás tomando emprestado a metodologia do Faoro. Mas Faoro não toma "as idéias" de Machado de Assis, e sim leva em conta a fusão idéa conteúdo como testemunhos (no sentido da geologia) de uma jazida sociológica subjacente.

Assim, para que se frua da criação autoral de uma obra literária, artística, etc., não há redução possível às idéias (livres) separada da forma (exclusivada). Tentem fazer isso em Rimbaud:

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes :
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Por isso a necessidade de equilíbrio de interesses entre o autor e o resto do mundo.......: cada obra é um monopólio inexorável (salvo as músicas de Roberto Carlos, mas isso é outra história)