Wednesday, April 02, 2008

Quando na ativa como Procurador do Município do Rio, me veio à apreciação a questão do Cristo Redentor: os alegados titulares do respectivo direito autoral pretendiam fazê-lo valer contra o Município. Minha intervenção, encontrada em http://denisbarbosa.addr.com/O%20Caso%20do%20Cristo%20Redentor.doc, não segue a idéia de que as limitações sejam restritivas, nem, ao contrário, ampliativas, mas simplesmente funcionais: qual o propósito da limitação, como ponderação de interesses contrastantes?

Assim disse:


Note-se que na verdade o art. 48 da Lei 9610/98 tem por indiferente a propriedade da área onde se situa a obra escultural. Se há acesso público, e a obra está sujeita à livre fruição da população em geral, existe liberdade de representação. O fator determinante para limitação ao direito autoral, ao que entendo, é o fato de que a fruição já é pública, não cabendo assim retirada desta faculdade do domínio público; para mim, a exata classificação do lugar onde se situa a obra como logradouro ou não é sutileza bizantina em face da análise funcional das propriedades, que enfatiza sua destinação social.
Não se argua, de outro lado, o intuito protetor da lei autoral, que faz interpretar em favor do autor as disposições negociais [1]. No caso, não estamos interpretando negócios jurídicos, mas texto legal, e existem dois objetos de tutela igualmente dignos de proteção – a criatividade e a fruição pública da arte. Assim, a racionalidade e a funcionalidade são os critérios heurísticos relevantes [2], não o viés pro autorem, que se aplica no contexto privado.


[1] Lei 9.610/98 - Art. 4o Interpretam-se restritivamente os negócios jurídicos sobre os direitos autorais.
[2] Vide o Parecer PG/CES/01/00-DBB, onde longamente me estendo quanto ao conflito de interesses igualmente protegidos pela Constituição.
Sentei numa banca de monografia
da UERJ em que a bacharelanda, estagária da
Globo, manifestou-se em favor de uma licença
compulsória geral contra herdeiros. Para ela,
enquanto vivo, o autor tem interesse em cumprir o
dever social maior de expressar-se e criar para a
sociedade; mas, após a morte, o peso dos valores
se altera, e a sociedade acaba perdendo em acesso
à cultura tanto pela redução da obra a um
interesse monetário, quanto pela frequente incerteza e mesmo caos condominial.


Acho interessante a proposta, e não incompatível
com o texto constitucional: XXVII - aos autores
pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras,
transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei
fixar. Na economia dos interesses em jogo, esse
"tempo", que já significa uma contenção da
potestade constitucional do autor, se converte
razoavelmente em "condições", eis que que pode
fixar quatro anos, pode fazê-lo em oito, mas de
forma contida. A lei deveria assegurar aos
herdeiros um direito aos fructi, mas não um um
poder de privar a sociedade ao acesso à obra;
previsão de consignação e de fixação judicial,
administrativa ou mesmo arbitral de valor justo se impõe.