Friday, July 27, 2007

Na última versão da análise constitucional das marcas, que foi publicada como capítulo do livro da Saraiva/FGV-Sp, aponto exatamente para as duas tendências antípodas: a da superavaliação da importância relativa das marcas, e da constrição constitucional das mesmas ao seu real papel. No texto, encontrado em http://denisbarbosa.addr.com/bases2.pdf:


O direito de uso da língua como parcela do patrimônio cultural
Mas, com ser instrumento de concorrência e compromisso com o consumidor, a marca não deixa jamais de ser também instrumento de expressão e de informação. Faz parte essencial dos direitos fundamentais o uso da língua, de forma livre e contrutora dos valores humanos.
Vem aqui a noção, crucial para nosso tema, de patrimônio cultural:


Art. 216 - Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:


I - as formas de expressão; (...)


Quanto do dever do Estado, e do direito público subjetivo, ao acesso à cultura:


Art. 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.


Para José Afonso da Silva, os direitos culturais a que se refere o art. 215 são os seguintes:


“se trata de direitos informados pelo princípios da universalidade, isto é, direitos garantidos a todos. Quais são esses direitos culturais reconhecidos na Constituição? São: a) direito de criação cultural, compreendidas as criações cientificas, artísticas e tecnológicas; b) direito de acesso às fontes da cultura nacional; c) direito de difusão da cultura; d) liberdade de formas de expressão cultural; e) liberdade de manifestações culturais; f) direito-dever estatal de formação do património cultural brasileiro e de proteção dos bens de cultura, que, assim, ficam sujeitos a um regime jurídico especial, como forma de propriedade de interesse público. Tais direitos
decorrem das normas dos arts. 215 e 216. que merecerão, ainda, exame mais aprofundado no titulo da ordem social.”


Direitos exclusivos e liberdade de informação
O estatuto constitucional das marcas tem assim outra vertente além da propriedade – o da liberdade de informação. E isso se dá de forma dupla: existe a tensão entre o direito à informação de terceiros e exclusividade legal do titular da marca.

O princípio constitucional opositor, aqui, é o vazado no art. 5º. Da Carta:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;


Seja através da aplicação de algum dos limites legais ao direito, seja através da interpretação da lei autoral, é preciso ficar claro que a propriedade intelectual não pode coibir, irrazoável e desproporcionalmente, o acesso à informação por parte de toda a sociedade, e o direito de expressão de cada um.


Dentro desse contexto é que se trata o uso paródico ou crítico das marcas. Não se pode anular o acesso à informação garantido pelo direito do consumidor (como notou Gustavo Leonardos) pela denegação da exclusividade marcária. Não se pode denegar o direito de expressão de todo mundo, a pretexto de proteger sua marca de diluição e denigramento, proteção esta que se exerce num contexto comercial, e não mais (apesar da erradíssima interpretação que o INPI anda dando da lei). Não é possível se ter um sistema de marcas que não corresponde, legalmente, a nenhuma garantia de qualidade do produto e serviço e, simultanemante, suprimir a natureza semiológica das marcas. Querer o melhor dos dois mundos é uma pretensão de onipotência.

Em palestra na UFJF em 14/9/2206, me foi suscitado pela platéia como exemplo de uso parodial de marca o caso Daspu, onde se criou um brand através da analogia com a marca de alto luxo Daslu. Daspu forever......

Para acabar, acho perfeita a análise do Jason Bosland, The Culture of Trade Marks: An Alternative Cultural Theory Perspective, http://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=771184, visitado em 26/10/2006:


“The underlying difficulty with shaping a dilution right is balancing the competing interests in allowing the public to use a mark as an expressive resource through criticism or commentary, while at the same time, preventing harm which is adverse to a trade mark’s continued cultural use. To balance these interests, I propose that the expressive use of a mark should be protected from dilution in the context of trade, that is, where a plaintiff’s mark is being used in the advertising context to market a defendant’s goods or services. This is to be compared with a commercial situation where the defendant’s expressive use of a trade mark forms part of the goods on offer, such as in the title or lyrics of a song, or where the trade mark is used in a poster or on a t-shirt.”

Wednesday, July 25, 2007

"Procurando na internet encontrei a informação que as Obras publicadas na URSS antes de 27 de maio de 1973 não têm proteção aos direitos autorais, portanto estão todas em domínio público. Historicamente acho que faz sentido já que por conta do regime, não havia proteção a quaisquer direitos pessoais."


A informação não procede. A data mencionada é da entrada em vigor da Convenção Universal para a URSS; mas quando os países membros da antiga URSS se afiliaram à Convenção de Berna, o art. 18 dessa última Convenção assegura a retroatividade de proteção para aquelas obras que - se houvesse proteção antes - não tivessem já caído em domínio público no outro país. Assim, a se aplicar essa regra, as obras teriam saído do domínio público.

Esse efeito estranho levou os Estados Unidos a não aplicar a retroatividade para as obras da antiga URSS anteriores a 27 de maio de 1973 desde o momento da adesão americana `bernna, em 1989, até a entrada em vigor da Lei de Aplicação de TRIPs (teve de ter uma lei, porque, como todo mundo sabe, TRIPs não é aplicável diretamente em nenhum país).

A questão é muitíssimo mais complexa, vejam a omnisciente Wikipedia em http://en.wikipedia.org/wiki/International_copyright_relations_of_Russia

A questão tem sido motivo de muita discussão entre Manoel Pereira dos Santos e eu, em virtude do princípio constitucional brasileiro da inderrogabilidade do domínio público. Como nota Luis Roberto Barroso, a peculiaridade do instituto brasileiro do direito adquirido não encontra reprodução em outros sistemas constitucionais. Como a Convenção de Berna não prevalece sobre a Constituição Brasileira, tenho que não ocorreu retroatividade plena das obras da antiga URSS, mas apenas (depois da Emenda 45) retroatividade da parcela dos direitos morais. Esse é um aspecto absolutamente peculiar no Direito Brasileiro. A Internet não vai esclarecer isso.